Uma visão de quem trabalha na Universidade – Entrevista a Henrique Palumbo
O Henrique Palumbo estuda na Universidade do Minho e tem participado no grupo local do GBU em Braga. Atualmente, está a realizar um Doutoramento em Ciência Política e Relações Internacionais e está também a trabalhar Universidade, providenciando assessoria à reitoria na área da internacionalização.
O Guilherme Lino é estudante do primeiro ano de Ciências da Comunicação no IADE em Lisboa e entrevistou o Henrique com o intuito de nos trazer mais insights sobre o funcionamento interno da Universidade. A Universidade é o espaço em que estamos em missão, por isso importa conhecermos melhor este espaço!
Guilherme Lino – Podes contar-nos qual tem sido o teu percurso académico?
Henrique Palumbo – Desde pequeno, eu tenho o sonho de seguir Política. Em criança, eu até dizia que queria ser Presidente. Recordo-me disso! Por isso, quando cheguei ao Ensino Secundário, escolhi naturalmente a área de Línguas e Humanidades. Aí é que eu comecei a estudar a sério, porque até então não o fazia. Mas no secundário eu estava focado nos estudos, porque queria ir para a faculdade. Eu sabia que, para ser político, em princípio precisava de estudar, precisava de ir para uma Universidade.
Quando descobri que a Universidade do Minho tinha um curso de Ciência Política, comecei a dedicar-me para conseguir entrar nesse curso da UM. Infelizmente, no primeiro ano não consegui… não tive nota suficiente para entrar na UM. Até entrei em Lisboa, mas era demasiado longe de casa (em Famalicão) e não senti que era o propósito de Deus para a minha vida ir para Lisboa naquele momento. Então decidi que aquele seria um ano para fazer melhoria de notas a algumas disciplinas e buscar mais a Deus.
Foi um ano que, de facto, mudou a minha história. Como não ia à escola todos os dias, tive mais tempo para me dedicar à minha relação com Deus e perceber o que realmente Ele teria para mim no futuro. Esse período firmou a minha vontade de estudar Ciência Política, algo que acabei por conseguir pois entrei finalmente na Universidade do Minho. Depois prossegui para o Mestrado em Relações Internacionais pois as cadeiras dessa área despertaram muito interesse durante a Licenciatura.
Eu gosto de estudar questões de segurança, assuntos dos estados, dos países, de guerras, conflitos, diplomacia… A minha tese de mestrado foi acerca da questão da segurança. Durante o mestrado foi nascendo o desejo de ser professor nesta área e, aconselhando-me com professores, fui novamente incentivado por eles a continuar para o Doutoramento, que é a etapa em que agora me encontro.
GL – Nos últimos anos tens estado envolvido de uma forma muito direta na estruturas internas da Universidade. Podes explicar-nos como é que surgiu esse envolvimento e quais são as tuas funções nessa estrutura?
HP – Durante o doutoramento surgiu a necessidade de procurar um emprego para conseguir pagar as propinas. No meio de várias candidaturas, candidatei-me para os estágios da Administração Pública, fui aceite nessa iniciativa e fui alocado à própria Reitoria da Universidade do Minho. À partida nem saberia que isso podia acontecer. Fiquei muito contente pela oportunidade de trabalhar dentro Universidade, integrado numa estrutura académica, e também por ser na área da internacionalização (estudantes internacionais) na qual tenho bastante interesse. Tenho estado a trabalhar diretamente com a vice-reitora responsável por esta área e esta tem sido uma experiência excelente, pela qual estou muito grato a Deus.
GL – De que formas é que o teu trabalho no apoio à Reitoria da Universidade do Minho tem alterado a tua percepção do que é a “Universidade”, do seu propósito, da sua complexidade, da relação entre os vários agentes que a compõem (professores, funcionários, estudantes e outros stakeholders)?
HP – Nós enquanto estudantes temos sempre a perspetiva da universidade do ponto de vista do estudante. Olhamos sempre para o que poderíamos fazer como estudantes e pensamos sempre naquilo que poderia ser melhor para nós estudantes.
Mas, apesar de ainda ser estudante, eu pertenço paralelamente a um corpo de técnicos superiores. como alguém que presta apoio à gestão de um departamento específico da universidade. Isso fez com que eu percebesse que nem toda a gente olha para a Universidade colocando os estudantes no centro. Agora noto que por vezes a Universidade também se esquece dos estudantes, ainda que não queira generalizar esta apreciação. Há algumas “politiquices” que não favorecem os estudantes, especialmente os internacionais! As universidades não conseguem ajudar os internacionais a lidar com a enorme burocracia, como por exemplo na obtenção dos vistos. E por vezes os estudantes são olhados como “negócio”. Mais uma vez, isto acontece especialmente com os estudantes internacionais, pois chegam a pagar 10 vezes mais que os estudantes portugueses.
GL – A partir desta tua visão mais informada e mais conhecedora, quais são hoje os maiores desafios que as Universidades enfrentam em Portugal? Consideras que a Universidade reconhece esses desafios e tenta dar-lhes resposta?
HP – No meu contexto, e no departamento que a Vice-Reitora lidera, sim, tentamos colmatar os problemas que existem. Mas sei que não sempre isto acontece noutras áreas. Por vezes tento colocar ideias para ajudar a resolver os problemas e encontro entraves inesperados que não consigo perceber bem. Não sei explicar na totalidade os meandros políticos que estão presentes nas Universidades e que colocam estes entraves, mas percebo que eles estão presentes. Isso, infelizmente, atrasa o desenvolvimento das Universidades, atrasa a forma como as Universidades poderiam olhar para os estudantes.
Por outro lado, a Universidade é um excelente lugar para pessoas cristãs. Sei que parece estranho o que estou a dizer, mas nós, como GBU, estamos lá com uma missão integral. Deus colocou-nos na Universidade com um propósito e uma vocação missional. Deus não nos chamou apenas para a área específica de estudo – Ciências da Comunicação no teu caso, Ciências Políticas Internacionais no meu – estudarmos é parte do propósito, mas vai além disso. Como cristãos, o propósito inclui viver e proclamar Jesus.
Acho que um grande problema das universidades atualmente é promover ideologias junto dos estudantes, em vez de estar focada em formar pessoas para a sociedade. Há muitos professores a transmitir ideologia, mas creio que deveriam ter mais isenção na sala de aula. Hoje em dia há uma cultura que quer forçar tomadas de posição extremadas sobre todo o tipo de assuntos e essa cultura tem chegado também às universidades. Por exemplo, recentemente na Universidade do Minho, os estudantes protestaram para que a Universidade tomásse uma posição clara sobre a guerra em Gaza. Acamparam no campus durante duas semanas e exigiam que a UM cancelasse todos os protocolos e parcerias com universidades israelitas. Neste assunto, penso que a UM tomou uma decisão correta, tentando manter-se neutra, e cancelando apenas os protocolos com universidades que apoiam a guerra, de um lado ou do outro, de uma forma mais explícita.
Se a Universidade em si não promover ideologias, mas for um lugar para pensar criticamente, para ter novas ideias, para dialogar sobre os assuntos, assim estará a fazer um bom trabalho.
GL – Do teu ponto de vista, um grupo como o GBU pode também ter um papel ativo, mesmo que pequeno, na resposta a esses desafios? De que formas é que isso pode acontecer?
HP – Um grupo como o GBU pode ter um grande papel dentro da Universidade. Eu acredito que o estudante cristão é diferente, pois está a ser guiado por Deus, pelo Seu Espírito. Isso faz com que encare as questões da vida universitária com outro olhar, com outra postura. Nós cristãos temos que perceber que se estamos ali é porque Deus nos colocou ali. E essa percepção, essa consciência de que é Deus que ali nos coloca em missão, faz com que o estudante cristão olhe à sua volta e encare o espaço da Universidade como um espaço de missão integral. Há oportunidades para apoiar outras estudantes, para fazer voluntariado, para apresentar o evangelho de uma forma contextualizada, para entrar em discussões mais intelectuais ou existenciais, para organizar eventos ou participar em eventos organizdos por outros, etc. Os cristãos, e o próprio GBU, também pode contribuir para contrariar a tendência da Universidade para promover ideologias. Eu sei que muita gente diz que ser cristão é também uma ideologia, mas não concordo. Ser cristão é uma mudança, é um caminho de transformação que produz um estilo de vida distinto. Um estilo de vida que não se impõe e que dialoga bem com os outros. Mas que é de facto diferente e por isso suscita perguntas das pessoas à nossa volta. A Universidade é um espaço para suscitar perguntas!
GL – Em que medida é que o trabalho e o serviço na Universidade pode ser relacionado com a fé cristã? Consegues explicar a relação entre as duas coisas – até como incentivo para que os outros estudantes do GBU se envolvam também no espaço universitário?
HP – No caso do meu trabalho, eu estou em constante contacto via email com estudantes internacionais. Então tento pensar em formas de amar e servir estes estudantes mesmo que seja sempre mediado por um serviço de email e que não possa ver as caras deles. Nesse sentido, tento ser muito intencional ao não enviar emails “secos”. Quero expressar cuidado e ser também atencioso na forma como detalho toda a informação para que eles tenham as ferramentas necessárias para resolver os seus assuntos burocráticas (ex. processos de matrícula na UM). O conselho que deixo aos estudantes do GBU é que, seja qual for a forma de envolvimento, façam tudo com zelo. Eu tento enviar emails com zelo e amor de forma a amar quem está do outro lado do email. Põe zelo na forma serves na Universidade e amor por aqueles a quem serves!