O voluntariado na Universidade – Entrevista a Isabela Assis (Uma estudante envolvida com a Universidade)

A Isabela é estudante de Direito na Universidade de Coimbra. É também vogal de Comunicação da atual Direção Nacional Estudantil do GBU e respondendo ao desafio de olha para a Universidade como campo missionário, decidiu ser voluntária no Fundo Solidário “Next” do Instituto Justiça e Paz. Novamente contámos com Guilherme Lino, estudante em Ciências de Comunicação para conduzir a entrevista.

Guilherme Lino: És uma estudante envolvida em ações de voluntariado no contexto da Universidade. Como começou esse envolvimento e em que é que consiste?

Isabela Assis: Começou em setembro de 2022. Eu já há muito tempo que procurava uma oportunidade de voluntariado na Universidade mas isso ficou mais claro depois de participar na Formación, uma conferência da IFES Europa para líderes estudantis realizada em agosto de 2022 na Polónia. Na conferência falou-se muito sobre a forma como nós estudantes podemos estar envolvidos na Universidade para tentar responder aos problemas que a própria Universidade tem e eu senti que ali fui colocada num “spotlight” e apercebi-me que tinha de voltar para Coimbra e ver como é que eu poderia ajudar de uma forma mais eficaz. Então em setembro, quando as aulas reiniciaram, uma amiga fez-me um convite para participar numa equipa de tutores do fundo solidário “Next” que é um programa do Instituto Católico Justiça e Paz em Coimbra, por meio do qual dão explicações aos estudantes. O meu papel como tutora consiste em ligar um estudante a um explicador e acompanhar esse estudante ao longo do semestre.

GL: Como é que esta experiência de serviço à comunidade estudantil tem alterado a forma como vês a Universidade, como olhas para os outros estudantes, para professores e até para os funcionários?

IA:

No meu primeiro e segundo ano de faculdade eu dei explicações de um modo informal (não lhes dava o nome de explicações). E eu dava estas explicações a estudantes dos PALOP e principalmente de Timor-Leste, pois estes muitas vezes sentem dificuldade em perceber o que os professores dizem, bem como a matéria em Direito já que o vocabulário técnico pode ser muito difícil. Por isso eu disponibilizava-lhes o meu tempo e os meus apontamentos. E também por isso é que o projeto “Next” chamou a minha atenção.

Ao participar neste projeto, vejo que há imensos estudantes que não estão bem inseridos quer no estudo académico quer também na própria comunidade académica. O facto de eu estar em contacto com muitos estudantes estrangeiros fez-me refletir na maneira como eles são integrados com os outros estudantes portugueses. Parece-me ainda haver uma grande barreira entre estes estudantes.

Outro fenómeno que observei é que há estudantes que fazem voluntariado só para ganharem o certificado de voluntariado, mas se percebem que as horas de explicações não são suficientes para que lhes seja atribuído esse certificado, preferem não fazer voluntariado de todo e isso é muito triste.Em relação aos docentes, hoje em dia vejo uma proximidade cada vez maior entre estes e os alunos; contudo, ainda sinto que a forma como alguns professores falam faz com que muitos destes estudantes estrangeiros tenham pudor em expor as suas dúvidas. Mas também acredito que seja difícil para os próprios professores conseguirem conciliar todas as diferentes culturas e diferentes backgrounds numa única sala com mais de 100 alunos.

GL: A partir desta tua experiência em Coimbra, quais é que te parecem ser os maiores desafios que as Universidades e/ou os universitários enfrentam hoje em dia em Portugal?

IA:

Penso que a integração é um dos maiores desafios. Acredito que haja um grande esforço por parte dos estudantes mais velhos para integrar os mais novos na praxe e criarem uma relação padrinho/afilhado para acompanhamento ao longo do percurso académico. No entanto, o ambiente da praxe não é para toda a gente. E para os que não vão à praxe, que hoje em dia são a maioria, não há outros momentos de integração. Isto resulta numa maior dificuldade de acesso a materiais, como sebentas e livros por parte dos estudantes de 1º ano, especialmente se pensar nos estudantes estrangeiros.

Outro grande desafio é a ansiedade atualmente vivida entre os estudantes universitários. Tenho vários amigos a desistir do curso por causa disto. Penso que muitas vezes a ansiedade resulta de expectativas demasiado ambiciosas em relação ao tempo na Universidade e à quantidade de coisas que imaginamos que vamos poder conciliar; pensamos que vamos participar em 1001 coisas mas isso é na realidade muito difícil e gera muita pressão que leva a essa ansiedade. Por outro lado, a ansiedade também pode ter origem num sentimento de falta de propósito para o qual se está a estudar. O estudante vai aderindo a coisas, oportunidades, projetos, grupos sem critério e sem propósito definido e depois acaba por ser demais.

GL: Em que medida é que o serviço na Universidade está relacionado com a tua fé cristã? Consegues explicar a relação entre as duas coisas?

IA: Eu sou muito grata pela Universidade. Eu venho de Timor-Leste e nesse contexto é muito difícil ir para a Universidade. E por isso eu sei a pressão que os estudantes de outros países da CPLP sentem ao estarem na Universidade. Então este voluntariado com as explicações é natural porque sinto que é algo que eu tenho que dar de volta à Universidade pelo facto de poder estar a estudar nela. Como sei que é uma dádiva de Deus eu poder estar na faculdade, isso faz com que eu queira partilhar essa dádiva e as explicações são uma maneira de demonstrar o amor e a graça de Deus. Nem sempre tenho a oportunidade de falar concretamente sobre a minha fé, mas o facto de ser tutora possibilita um relacionamento mais próximo com os estudantes e permite demonstrar de uma forma prática a minha fé e também convidar para atividades do GBU e ter conversas sobre propósito que podem levar às questões da fé. Em tudo isto eu vejo a Universidade como o meu campo de missão enquanto estudante.

GL: Tens conhecimento de outras iniciativas de serviço e voluntariado a que os cristãos se possam juntar na tua Universidade? O que é que dirias a um estudante cristão que tem vontade de se voluntariar mas não sabe a quem se dirigir ou por onde começar?

IA:

Em Coimbra conheço outro projeto que é o SOS Estudante, que foi uma iniciativa começada por 3 estudantes de Psicologia e um deles até era membro do GBU Coimbra (isto mostra o legado do GBU em Coimbra). Neste projeto, os estudantes podem disponibilizar tempo para conversar com outros estudantes que estão a passar por dificuldades emocionais. Assim os estudantes podem dar os ouvidos e atenção a outros estudantes.

Há também outros projetos de tutoria dos próprios núcleos universitários, bem como voluntariado ligado a várias secções da Associação Académica, incluindo recolha de roupa, por exemplo.

O que eu diria a um estudante cristão que gostaria de fazer voluntariado é que não deixe que o facto de não saber por onde começar o impeça realmente de começar. Há sempre algum lugar onde se pode ter a informação necessária, como por exemplo o Instagram da Associação de Estudantes, ou do núcleo do curso. Deve fazer perguntas e não ficar somente pela vontade. Acho que todos nós temos a vontade, mas Jesus não disse só para termos a vontade, Ele disse para nós de facto irmos

Aconselho também a orar sobre o assunto porque o voluntariado não deve ser feito meramente para fazer algo: se o vamos fazer à luz da nossa fé é preciso estarmos fundamentados na Palavra. Digo isto porque coisas boas todos podem fazer mas enquanto cristãos é importante sabermos porque fazemos o que fazemos e, em particular, porque servimos o próximo.

Quando convido estudantes para serem explicadores, eu tento incentivá-los a perceberem que muitas vezes nós achamos que não há tempo quando de facto há, porque deve sempre haver tempo na nossa agenda para servir o outro. Tenho a convicção de que não estamos na Universidade só para receber formação, mas também para servir.

A Isabela veio de Timor para estudar Direito na Universidade de Coimbra. Já fez parte da Direção do GBU Coimbra e agora é vogal de comunicação da Direção Nacional Estudantil.

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