Um estudante cristão envolvido com a Universidade – entrevista a Augusto Mateus

O Augusto tem servido a Universidade ao disponibilizar muito do seu tempo para os seus colegas de curso. A partir desta entrevista, feita por Guilherme Lino – estudante de Comunicação Social, ficamos a saber o que motiva o Augusto a estar atento às necessidades da sua faculdade.

Guilherme Lino: Como vês a tua Faculdade? Como é que está estruturada (de forma geral)? E quais são as principais características e adjetivos que te vêm à mente quando pensas nela?

Augusto Mateus: Estudo na Faculdade de Engenharia da Universidade Nova de Lisboa. De uma forma genérica, a minha faculdade tem Presidente, líderes de departamento, professores regentes e professores da cadeira e, claro, uma Associação de Estudantes. Trata-se de uma faculdade muito grande, quase uma cidade por si só. Uma vez que está bastante isolada, não havendo nada à volta, a faculdade criou várias estruturas dentro dela, tais como cafés, supermercados, bares… É de facto quase uma cidade inteira. Mas o que me vem à mente quando penso na minha faculdade é, principalmente, o GBU. O GBU tem sido o canal por meio do qual me envolvo bastante com a Universidade, quer com o núcleo em si, quer ao convidar colegas meus para participarem no núcleo, ao orar por eles e ao partilhar o GBU na faculdade.

GL: Quais são, atualmente, os maiores desafios estruturais que a tua Faculdade enfrenta? E quais são os maiores desafios que os teus colegas enfrentam?

AM: A minha faculdade é muito reconhecida no meio da engenharia pela área da investigação e consegue grandes investimentos a nível europeu por causa disso. O problema que daqui decorre é que os professores tendem a focar-se muito mais na investigação do que em dar aulas. Por isso, temos muito bons investigadores, altamente reconhecidos, mas que depois não são tão bons a dar aulas. Isto faz com que os estudantes se sintam um pouco perdidos porque sentem que não há uma boa condução da aula em si. Isto resulta nos estudantes terem de aprender por si através de vídeos no Youtube.

A dificuldade mais comum que os meus colegas enfrentam é a depressão. Muitos dos meus colegas aderem a ideologias de género e a ideias daí decorrentes como a transexualidade. Especialmente no meu curso há pessoas com muita dificuldade ao nível da aceitação de si mesmos, algo que pode surpreender por ser um curso de informática. Mas isto está disseminado no meio; por exemplo, quando se vai a uma conferência de informática é nos sempre perguntado quais os pronomes pelos quais queremos ser tratados.

GL: Tens encarado alguns dos desafios dos teus colegas de forma bastante prática. Podes descrever melhor como tens procurado ajudar alguns deles e o que te motiva a fazê-lo? 

AM: A realidade do meu curso é que 90% dos estudantes são woke. Woke é alguém que aceita todo o ideal progressista. Resulta de uma forma marxista de ver o mundo, da chamada teoria crítica, mas hoje em dia está associado a movimentos culturais progressistas, como por exemplo a ideologia de género. Todas estas ideologias liberais proliferam no meu curso e tudo o que seja diferente dessas ideologias não é bem aceite. Alguém que tenha uma posição tão básica como acreditar que um homem é um homem e uma mulher é uma mulher é desde logo “cancelado”. A maioria dos estudantes do meu curso são woke e muitos deles estão na Associação de Estudantes, o que faz com que a própria AE seja regida debaixo destas ideologias. Por exemplo, a AE conseguiu que deixasse de haver traje académico masculino e feminino, passando agora a haver os trajes 1 e 2.

No meu curso surge então um grupo que eu designo d’“Os Cancelados”, um grupo do qual eu também faço parte. Sempre que entram novos estudantes no curso, há também novas pessoas a entrar neste grupo informal d’“Os Cancelados”. Trata-se de estudantes que, por terem a mínima inclinação política, religiosa ou algo até factual/lógico que vá contra esta ideologia hegemónica do meu curso, são automaticamente cancelados. Esta divergência pode consistir em algo tão simples como defender a privatização de algum serviço. E estas mínimas coisas significam que, na prática, estes estudantes “Cancelados” não conseguem ter interação com os restantes,  não têm acesso a slides e outros recursos que os restantes estudantes partilham entre si ou a grupos de trabalho, não têm nada – estas pessoas são ostracizadas dentro do meu curso. Então eu juntamente com outros colegas cancelados no nosso ano de entrada decidimos criar um grupo maior para haver entreajuda entre os estudantes cancelados. 

O que eu tenho para partilhar sobre ajudar os meus colegas é o seguinte: no semestre passado eu pude ajudar alguns colegas numa cadeira específica; tratava-se de uma cadeira em que eu tinha alguma facilidade enquanto os meus colegas estavam cheios de dúvidas. Então eu ajudei-os a estudarem para os testes e a maioria deles passou com grandes notas. Por exemplo, um rapaz com quem eu estudei todos os dias não sabia praticamente nada ao início mas, com o meu acompanhamento, acabou por ter 19 na cadeira. Quanto a mim, tive de desistir dessa cadeira porque tive um princípio de esgotamento, pelo que na pauta é como se tivesse chumbado à cadeira. Mas os meus colegas passaram e eu consegui deixar uma marca, pois eles viram os meus atos de serviço e eu conectava-os ao Evangelho. Isto aconteceu até mesmo durante as pausas das sessões de estudo, pois nesses momentos eles fizeram perguntas diretas sobre a minha fé. Esta é a forma como tenho procurado servir a Universidade: através da ajuda a este grupo de estudantes marginalizados no meu curso.

GL: “Uma fé que pensa, uma razão que crê“ tem sido um dos lemas do GBU. Na tua opinião é desejável que a crença e o saber convivam melhor no espaço universitário ? (Se sim, como alcançar esse tipo de convívio)? 

AM: Qualquer espaço de conhecimento deve enquadrar crença com saber, como diz em Provérbios: “o temor do Senhor é o princípio do conhecimento”. Então, na minha visão, aquilo que deve sempre ser feito com qualquer tipo de saber é enquadrá-lo no conhecimento do Senhor, porque tudo o que existe foi criado por Ele e há um propósito maior por detrás de tudo.

Mas é difícil alcançar um convívio entre a crença e o saber nas nossas universidades porque são laicas e tendem a afastar-se ao máximo de religião. Pessoalmente, eu acredito que não existe um campo neutro, ou seja, eu não acredito que as faculdades sejam de facto laicas apesar do que elas tentam afirmar. Acredito que as faculdades têm um deus, só que de facto não é o Deus da Bíblia. Todas estas grandes instituições têm um deus por detrás e, na minha perspetiva, este deus é o próprio ser humano, pois o humanismo tomou conta do sistema universitário e este passou a repelir bastante o conhecimento bíblico Assim, é muito difícil criar esse convívio entre crença e saber. O GBU pode mudar esta realidade a partir da influência nos estudantes individualmente, um a um. Contudo, pensando no sistema como um todo, é muito difícil mudar a realidade.

GL: Qual a importância, na tua opinião, de um estudante cristão atento às necessidades dos seus colegas? Como organizas o teu tempo para conseguir viver a fé em Cristo nas diversas dimensões do percurso académico?

AM: Um cristão por definição é uma pessoa que olha à sua volta e procura responder às necessidades do seu próximo. Somos chamados a amar o próximo. Portanto, estar atento às necessidades não é apenas um aspeto importante mas é na realidade a essência de ser cristão.

Eu faço o meu percurso académico conciliando-o com a minha fé em Cristo. Tento aproveitar tudo o que é intervalo ou tempos livres para estudar com os meus colegas que não são cristãos. Não vou às praxes, mas vou ao bar académico depois da praxe jantar com os meus colegas para estar com eles. Faço parte de alguns núcleos da faculdade, como o núcleo de xadrez. É importante conciliar os tempos de estudo em grupo com a participação em atividades em que possa ocorrer o diálogo com os nossos colegas.

GL: Achas que a forma como te tens envolvido nos desafios dos teus colegas tem produzido algum tipo de transformação em ti, a nível pessoal e/ou na forma como olhas para a Faculdade?

AM: Completamente. Servir dá-te uma visão diferente de ser servido. Quando se começa a servir começa-se a servir mais. É como orar: quanto mais se ora, mais se ora. E o serviço não só desenvolveu em mim ainda mais vontade de servir como também me deu uma nova compreensão da importância de servir e incentivar os outros a servir. Sou convertido há poucos anos e sinto que, no início, o que mais focava era o saber por si só, um saber abstrato e vazio de aplicação. Mas quando se começa a servir e a olhar à volta como cristão para procurar formas práticas de amar o próximo, e formas de espalhar o Evangelho, aí adquire-se uma compreensão diferente do serviço, especialmente quando se começa a ver resultados. Estes resultados podem não ser conversões em si, pode ser só o facto de se saber se que se ajudou verdadeiramente alguém. Houve um dia em que, para ajudar um colega meu, passei o dia todo com ele em videochamada, o que exigiu de mim muita paciência. No final do dia, quando desliguei a chamada, senti-me bastante cansado. Mas nessa noite, ao fazer o meu devocional, vi que era sobre a parábola dos talentos e fui novamente desafiado a refletir sobre como usar o meu talento para ensinar e servir os outros. Então na conclusão desse dia fiquei mais uma vez muito motivado para continuar a servir o próximo dessa maneira. 

Esta nova compreensão influencia muito a forma como olho para a faculdade, que passa por olhar para as pessoas invisíveis. Foi isso que me motivou a ajudar o grupo d’“Os Cancelados” e a fazer sessões de oração por auxiliares e professores, bem como a mostrar-me disponível para alguns professores caso eles precisassem de ajuda em algo e a dar-lhes mais feedback das aulas. Tudo isto para mostrar que estou de facto presente na faculdade, não só para os visíveis mas também para os invisíveis. Ou seja, toda a gente é visível para o cristão. E pronto, o serviço ensinou-me a servir.

O Augusto é estudante de Engenharia Informática na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. É um membro ativo no GBU Lisboa, servindo nas plenárias mensais do grupo e é atualmente líder do núcleo da FCT

recebe as nossas novidades
apoia
segue-nos