Uma estudante cristã envolvida com a Universidade – entrevista a Madalena Reinaldo
Mais uma entrevista para a rubrica Uma conversa com a Universidade. Desta vez a Maria Cavaco, estudante da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, entrevistou a Madalena Reinaldo, que graduou há um ano atrás no Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática do 2º ciclo na Escola Superior de Educação de Lisboa. A Madalena esteve envolvida em várias estruturas académicas ao longo do seu percurso estudantil e conta-nos aqui o que a motivou e o que aprendeu com esse envolvimento.
Maria Cavaco – Foste uma estudante envolvido com as estruturas da Faculdade. Como começou esse envolvimento e porquê? E o que te motivou?
Madalena Reinaldo – Logo que entrei na Faculdade, eu senti que estava um pouco à parte de tudo e queria, de alguma forma, criar laços com as pessoas. Então a primeira forma de conseguir fazer isso foi entrar na praxe. Como a minha faculdade não é muito grande, estando na praxe acabamos por conhecer muita gente de outros cursos e acabamos por conhecer a realidade de outros estudantes, de outros núcleos, de outros órgãos e foi logo a partir daí que comecei a envolver-me. A certa altura fui representante de turma e nesse cargo tive contacto direto com a Direção da Faculdade e com a AE. Depois também estive como representante dos estudantes na Direção Pedagógica. No mestrado fui convidada a entrar na AE e essa possibilidade fez muito sentido para mim. Integrei a AE durante dois anos, nos quais estive responsável por dois pelouros diferentes. Depois disso fui ainda convidada para estar na Federação Académica. Acabou por ser um percurso passo a passo, subindo esses degraus, sempre a participar nalgum tipo de órgão da universidade.
Maria Cavaco – Como é que o envolvimento na AE mudou a tua forma de ver a Faculdade? E consegues descrever este “corpo” que é a Faculdade a partir do teu olhar de bastidores?
Madalena Reinaldo – Sinceramente acho que mudou bastante. Antes de eu entrar na AE, eu só conhecia a Faculdade como estudante e como participante na praxe e isso dava-me uma visão redutora do que significa ser estudante universitário e das necessidades dos estudantes. Eu só ouvia aquilo que me interessava, os núcleos que me interessavam, os programas que me interessavam… Ao entrar na AE eu percebi que há uma ampla oferta de oportunidades extracurriculares para os estudantes, que há inúmeras necessidades que eu desconhecia e que, de facto, a AE muitas vezes tem iniciativas para responder a essas necessidades e nós nem o sabemos! Eu não tinha noção do impacto que a AE pode ter na Universidade. Não é só organizar festas (que também são importantes para promover momentos de diversão), há muito mais para além das festas.
Uma coisa que percebi sobre este corpo que é a universidade é que ele é composto por vários tipos de estudantes. Os estudantes até podem ser todos muito parecidos em muita coisa, mas ao mesmo tempo têm interesses muito distintos. Há aqueles que não querem participar em nada, aqueles que querem participar na praxe, aqueles que querem participar em workshops, aqueles que só estão na Faculdade para se “alimentarem” de coisas diretamente relacionadas com o seu curso, aqueles que querem participar em tudo o que a AE faz, eventos recreativos, culturais, etc. Não se pode generalizar dizendo que os estudantes universitários só querem festa ou que são todos totalmente dedicados ao estudo.
Maria Cavaco – Quais são, atualmente, os maiores desafios que o Ensino Superior, em geral, e a tua Faculdade, em particular, enfrentam?
Madalena Reinaldo – O ensino superior enfrenta a dificuldade de dar respostas às várias necessidades dos estudantes. Isto inclui a parte académica, porque muitas vezes sentíamos que aquilo que aprendíamos não chegava às nossas expectativas, apesar da Faculdade ser bem conceituada. Precisamos de uma Universidade que nos prepare efetivamente para a realidade do trabalho. Mas também a um nível de apoio direto aos estudantes, pois penso que a universidade não está totalmente preparada para olhar para o estudante como uma pessoa que precisa de apoio e de atenção. Há muitas coisas a acontecer ao mesmo tempo na vida do estudante, mas nem sempre há disponibilidade para acompanhamento psicológico do estudante. Além disso, eu tinha colegas com dificuldades financeiras e via que, também nessa área, a Faculdade colocava-lhes dificuldades extra. Tendo em conta as necessidades psicológicas e emocionais dos nossos colegas, por meio da AE tentávamos criar seminários e/ou palestras sobre ansiedade e outros temas relacionados. Mas, idealmente, essas iniciativas deveriam vir da própria Faculdade e ter o apoio da própria Direção, uma vez que a Direção é responsável pelos estudantes e por isso deveria estar atenta às várias necessidades que eles sentem.
Maria Cavaco – Mesmo sendo o ensino público um organismo onde deve imperar a neutralidade religiosa, em que medida é que a espiritualidade cristã pode ser um tema relevante? Porquê? Em que medida é precisa ou não essa espiritualidade cristã?
Madalena Reinaldo – Eu acho que, antes de tudo, a espiritualidade cristã tem valores que são bons e que não é possível contradizer essa bondade. Muitas vezes esses valores são necessários, essa noção comum do que é bom ou não é bom.
Uma vez deparei-me mais diretamente com a questão da religiosidade na Faculdade quando se estava numa reunião da Federação Académica a discutir estes temas fracturantes da nossa sociedade. A grande maioria dos participantes manifestou a opinião que hoje prevalece na nossa cultura quanto à orientação sexual e identidade de género; mais do que isso, assumiram que todos os presentes tinham a mesma opinião e mostraram total inflexibilidade para com quem podia pensar diferente. Eu senti que não havia qualquer abertura para eu expressar a minha discordância.
Perante isto, eu vejo uma comunidade de estudantes que quer muito ser tolerante para com tudo e todos, mas acaba por ser intolerante. Eu acho que é importante a espiritualidade cristã continuar a expressar-se neste meio difícil, para não se perderem valores que talvez já se estejam a perder.
Maria Cavaco – “Uma fé que pensa, uma razão que crê“ tem sido um dos lemas do GBU. Na tua opinião é desejável que a crença e o saber convivam melhor no espaço universitário ?
Madalena Reinaldo – Isto talvez varie de faculdade para faculdade, mas falando do que vi na minha faculdade, eu acho que a crença e o saber não convivem mal, o problema é que muitas vezes não convivem de todo. Parece-me que hoje em dia as pessoas não tentam integrar fé e saber. Pelo que eu vi na minha faculdade, parece-me que há quem acredite em algo, há quem não acredite em nada, e, em qualquer dos casos, raramente se procura ligar isso ao saber. As conversas mais intelectuais estão muitas vezes desconectadas dos valores das pessoas e dos fundamentos desses valores e também estão desconectadas das perguntas mais profundas sobre o sentido da existência.
Maria Cavaco – Então como é que se pode alcançar um melhor convívio entre crença e saber?
Madalena Reinaldo – Pessoalmente, sempre tentei chegar às pessoas por via dos relacionamentos, deixando um pouco de lado os argumentos mais racionais e científicos, mas tentando ser mais relacional para questionar e entender porque é que as pessoas têm os valores que têm, porque é que veem o mundo de determinada maneira. Se queremos mesmo conhecer as pessoas e as suas convicções desta forma, então estaremos também a dar-nos a conhecer a nós mesmos e às nossas crenças, podendo também partilhar sobre Jesus. É isso que podemos fazer na universidade, estabelecendo amizades ao longo dos anos que estamos lá, e não vivendo numa bolha.
(Nota editorial: neste envolvimento continuado com os colegas ao longo do tempo de estudo que a Madalena propõe, acreditamos que é possível então mostrar aos outros uma forma bonita e concreta de integrar fé e razão.)
Maria Cavaco – Para finalizar, que mensagem darias a um estudante cristão que está a pensar se se deve envolver na vida e/ou nas estruturas da Universidade?
Madalena Reinaldo – Se és um estudante cristão a “full-time”, então esse é o teu trabalho agora. A Faculdade oferece um enorme leque de ofertas aos estudantes e é impossível não encontrares algo em que possas participar e servir, é só tu quereres. Isto é algo que podemos encarar com naturalidade. E depois esse envolvimento vai levar-te a criar amizades com muitas pessoas. É verdade que há também o risco das más influências e que, ao nos envolvermos com a Universidade, é necessário aprendermos a manter a postura em ambientes por vezes complicados. Mas isso são provas pelas quais passamos para crescermos, faz parte das boas oportunidades que a Universidade nos traz.
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